Coisas que nós fazemos (3)
O atual primeiro-ministro deste país não pagou na Segurança Social (SS), na devida altura, descontos devidos pelas tarefas desempenhadas como trabalhador independente. Esquecimento próprio ou alheio estará na origem do lapso (a hipótese de alguém de dentro do sistema ter dado com a língua nos dentes não está posta de lado). Instado, uns anos depois, já investido nas suas atuais funções, corrigiu a mão.
Muita gente atenta a que não falhe um pagamento à SS, não vá a pensão vindoura ser defenestrada, ao tomar conhecimento da gafe, pateou e pôs-se a azucrinar.
- O senhor atreve-se a levar-nos coiro e cabelo, para satisfazer os bancos fomenicas e, na volta, vai-se a ver e não pagou na hora certa, dádiva que cabe a poucos!
(Pelas normas atuais da cidadania de países ricos e arremediados ainda se exige que o exemplo venha de cima e os agravos vão para baixo, da pirâmide social, naturalmente.)
Humilde, o primeiro-ministro deu-se por achado, admitiu o erro, vejam lá que toda a gente dá barraca, ninguém é perfeito só deus, quem não pecou atire a primeira pedra.
Disse trinta por uma linha para se justificar, mas não se recusou a pagar a continha calada, tarde, mas em boa hora, com juros de mora acrescidos.
Apesar de tudo, continuarei no meu posto, assunto encerrado! E vão continuara a ter-me à perna, se não desertei em momentos mais complicados, não me deixarei apear por uma questão de lana-caprina...
(Em alguns dos países ricos e arremediados teria de saltar do seu lugar; o mesmo não se aplica em países de brandos costumes.)
Contra sua vontade, correu mais água debaixo das pontes. Dos erros comem os escrivães, os escribas, os comentadores e os desocupados, a casuística não batia certa. Até que a celeuma se esbateu, todos os dias surgem casos ponderosos, a merecer a atenção de colaboradores e poderosos.
Alguém ainda tentou uma manobra de diversão, estilo perdão generalizado para os faltosos, ou devolução de verbas avançadas em igual período a que se reporta a dívida do primeiro-ministro, agorinha, pela páscoa, mas o projeto morreu na casca. Podia ser que pingasse alguma coisinha para os implacáveis cumpridores, é que pedidos de demissão já não sobem aos céus…
(Está na net uma lista oficial de caloteiros do Estado, o que prova que esse grupo social está bem representados nestas latitudes. E há outras listas de trânsfugas aos impostos. Nenhuma delas foi usada como contraponto, valha-lhe isso!)
Lição tirada, o primeiro-ministro não pode ser acusado de incoerência, quando o seu governo se terá oposto ao perdão parcial da dívida da Grécia, os caurins liquidam-se e mais nada. Além do mais, deu para entender que o somítico ministro alemão das finanças que é o ddt do euro – senão de todos os países da união, onde as eleições são cada vez mais para inglês ver -, o tal que tem cara de não perdoar uma e de ser mau como as cobras, estaria na mesma onda.
(A hipótese de pingar qualquer coisinha para estas longitudes era bem remota, ou nem foi posta.)
Passa assim o primeiro-ministro de recriminado a recriminador, pelo que se sente com forças renovadas e renomadas para continuar a ser pároco desta paróquia e regedor da mesma freguesia. Fica-lhe a matar a postura humilde de quem não ambiciona honras, mas antes a honra do país, do partido e dos negócios. Talvez consiga…
Como diz o outro que sabe latim: gravem est fidem fallere, ou seja, mau é faltar à palavra.
Age bem a águia que não perde tempo com moscas, ou minudências.
(Psst, por favor, deixem o primeiro-ministro em paz, não levantem muitas ondas, que os estrangeiros são danados para criarem anedotas sobre o Manel!)