Contos de fados (IV)
- Preciso de ir à latrina, deu-me a vontade, agorinha.
- Esteja à vontade, mas antes ponha aí na máquina uma moeda de 50 cêntimos!
- Preciso de tratar de um assunto da minha última fatura, estou sem vontade de pagar, cobraram-me indevidamente.
- Espere à vontade que vai ser atendido, depois é só pagar o preço de uma chamada local!
- Falhei uma transferência, contra a minha vontade o banco cobrou uma taxa nova e fiquei descalço.
- Ponha-se à vontade, que já lhe explicamos tudo, quem bem serve, bem medra!
- Preciso de estacionar aqui só um niquinho!
- Sirva-se à vontade, há muitos lugares de estacionamento, não se esqueça de tirar bilhete naquela máquina, que logo paga.
- Contra minha vontade, vou ter de trocar de bilhete, este caducou!
- Tenha paciência, não há trocas, terá de comprar outro, ali na bilheteira!
Tolentino não entende esta sanha persecutória, em tempo da crise ainda o diabo se lembra de aumentar as rendas no inferno!
Tolentino sabe que a carne tinha atingido valores incomportáveis, o peixe tinha seguido o mesmo caminho, quanto aos impostos melhor era nem falar. Era tudo a sacar, para encher o saco!
Tolentino opta por medidas drásticas, não são esperadas melhoras, no imediato e ele faz parte da malta anónima que paga e não bufa. Deixa de usar latrinas públicas, só recantos escusos; o popó fica à porta de casa; guarda as parcas notas no colchão; opta pelo footing, andar a butes e pela caminhada; o telemóvel junta-se ao caixote das inutilidades na arrecadação. A abdicação do smartphone é que mais dói, já não pode ligar à fornecedora de gaz a saber do custo do peixe, ou da carne, ou dos impostos…