Cortações (II)
O senhor Cortes
- Está ali um senhor a dizer que lhe vão aplicar 4 cortes.
- Tenha respeito, meu caro senhor, isto é uma casa séria, não estamos num cabeleireiro, numa modista, num bloco operatório, ou num banco, por mais respeito que nos possam merecer os cortadores. A seriedade é uma coisa séria!
- Quem sou eu para pôr em cheque as suas palavras, agora lembrei-me, é disso que aquele senhor se queixa, de 4 cortes no cheque que ele costuma receber todos os meses.
- Disparate, foram dadas ordens aos bancos, no sentido de evitarem, na medida da sua vontade, transações de cheques com cortes, como ainda há 4 anos ficou decidido na federação. Está enganado mais uma vez, meu caro senhor!
- Vejo que não me expliquei bem, aquele senhor ali continua a afirmar alto e em bom som que a quantia que lhe costuma ser abonada levou 4 cortes, só neste ano...
- A ver se nos entendemos: a quantia subtraída a esse senhor será igual à de tantos outros que recebem igual quantia ou por aí… Não foram precisas 4 operações de subtração, uma bastou. Aliás é este o nosso programa de governo e seremos inflexíveis. Aproveito a oportunidade para revelar que contratámos o Eduardo-Mãos-de-Tesoura, não vá o diabo tecê-las e termos de cortar nas fronteiras soberanas e por aí fora, não temos tido mãos a medir.
- Não acha cortes a mais?
- Nem por isso, posso revelar que estava prometido um quinto corte que virá mais tarde, mas virá, nós não brincamos em serviço.
- Cortam tanto e sempre nos mesmos por ser mais fácil?
- Agora estamos a cortar nestes e merecem-no, quem não arrisca não petisca. Lá para as calendas gregas, contamos sacar aos nossos enteados, amigos e familiares e camaradas de partido, por esta ordem. Como perceberá isto envolve muita emotividade, como tenho lágrima fácil, fiquemos por aqui que já estou a ficar com pele-de-galinha.
- Cortam para dar garantias que o estado social sobreviverá aos senhores?
- Bem disso não tenho bem a certeza, estamos a sanear, como é boa prática política deste país. Sabe, o estado tem bons fundos e maus fundilhos. Estes estão muito gastos, pelo que a sustentabilidade do próprio estado está em questão. Com a ajuda dos nossos santos protetores queremos preservar o nosso estado. Não há bons fundilhos sem cortes.
- De acordo, mas onde nos leva esta praxis de sangrias?
- Ainda bem que fala de sangrias, sabe que passaram a ser marca de região demarcada? Só no Mediterrânio, a partir de agora se produz a autêntica. Fazer e beber sangria é garantir postos de trabalho e a boa vidinha a muitos dos nossos compatriotas. Como vê, a história nos julgará, somos patriotas e deixamos obra feita.
- Não receiam o julgamento dos vossos patrícios, tão pouco o da História, portanto?
- Quanto a isso, um dia destes talvez recuperemos a Inquisição, os 3 éfes, a MP, a Legião, etc…
(Que linda falua que lá vem, lá vem!…)