Cortações (IV)
. A ministra do interior preside a congresso internacional sobre o recurso à morigeração no uso das armas de fogo, aquando da perseguição a amostriqueiros encartados. Vem afogueada, da briga havida, à saída. Aguardada por numerosos jornalistas e curiosos, confessa que tudo dissera lá dentro e que não lhe sobrava mais fôlego, nem palavras. Instada, por um árdego repórter, acerca de cortes no orçamento, fala pelos cotovelos, até que os jornalistas desistem, de cansaço. A dama dirige os seus passos ao restaurante de 5 estrelas mais próximo, a recobrar energias em manso almoço.
. O ministro do exterior coordena conferência internacional sobre a importância de blandícia e afagos nas relações diplomáticas trilaterais. Surge desolhado, da briga havida, à saída. Tenta driblar os repórteres que lhe saem na rifa e em cima, porque sentia ter dito tudo lá dentro, pelo que não lhe sobram termos, nem alento para adir mais qualquer coisita. Instada por uma fogosa repórter, acerca de cortes orçamentais, fala até mais não. Uma vez caídos de extenuação os jornalistas, o cavalheiro, fresco que nem alface, põe-se a caminho do restaurativo de melhor fama e proveito das redondezas, a recobrara recompor forças e a retocar a aura.
. O ministro das finanças co-preside a convenção sobre a importância da boa disposição no estabelecimento de negócios com países emergentes, ou de low profile. O homem emerge, feito num molho de brócolos e derreado, por conta da valentia das perspetivas antagónicas que tivera de aturar, à saída. Escusa-se a fazer mais comentários, pois tudo dissera lá dentro, fossem lá saber. Perguntado por uma fogosa repórter, acerca dos cortes do orçamento, perora até à lancha encostar. Os jornalistas desistem, por quebranto; pelo contrário sexa, remoçado, abana-se todo em direção à boutique gourmet que servia bufê ao almoço e que ficava ali a 2 passos perdidos.
. O ministro da economia intervém em colóquio sobre a indexação da candonga, da prostituição e da ganza ao PIB, em nações civilizadas e outras que nem por isso. Bom, o senhor, está com ar de defunto, de gato-pingado e de agarrado até, por conta da catilinária com que havia arrostado, à saída. É manifesta a sua vontade em não fazer mais comentários, porque se lhe esgotara a eticidade e a palavrada lá dentro. Assediado por uma codiciosa repórter, acerca dos cortes do orçamento, disserta até mais não. Quando, esmifrados, os repórteres repousam microfones, cadernos, canetas e gravadores, o dignatário, leve qual passarinho saído da gaiola, deserta a caminho do restaurante dietético mais próximo, a dar avio a bravio almoço.
(A mentira dá o almoço, que não o jantar.)
- Chatice, parece que me cortei!
- Mas seguiste o memorando à letra…