Diálogos de outono (9)
- Eu sou o grande vencedor das eleições, ainda não me deste os parabéns.
- Ganhaste, para mal dos nossos pecados, mas perdeste votos e maioria absoluta, mas podes levar a taça, parabéns!
- Não te levo a mal a acrimónia...
- Nunca pensei perder, derrubei o meu antecessor e cri que seriam favas contadas!...
- Maus palpites toda a gente tem. Se souberes guardar um segredo aqui vai um: não sei que fazer com esta vitória.
- É simples, a seguir continuas no poleiro!
- O presidente disse o mesmo, mas não sei, não me apetece...
- Desculpa, concorreste coligado, ganharam, assumem o poder, tão simples quanto isto!
– Sim, em parte tens razão e até já fiz um acordo de governo com o meu compadre, já tenho a lista completa de quem quer ministrar, assessorar e coadjuvar, mas...
- Não há mas nem meio mas, diz lá quando será a tomada de posse, eu lá estarei...
– Esperar é virtude do forte.
– Não vás sem resposta, a fome e esperar fazem rabiar, cuidado!
– Ainda estou indeciso e acho que te vou passar a bola a outro, a ti, por exemplo...
– Ensandeceste, por certo!
- Estou a falar a sério, tu estás melhor posicionado e capacitado para formar um governo maioritário...
- Brincamos, ou quê, o meu partido ficou em 2º lugar, o poder é teu, não me podes obrigar a ir contra a corrente ou contra a maré!..
- Ouve, eu sei que estás habituado a compartilhar com malta de partidos mais radicais.
– Isso é verdade, já lhes conheço as manhas! Mas, porque não tentas o mesmo?
– Ora bem sabes que não tenho estômago que a tanto resista! Podes compor uma maioria absoluta e um governo estável, com malta dos partidos que ficaram em 3º e 4º lugar e que vão à bola contigo, comigo não!
- Tenta, de início estranha-se, depois entranha-se...
– Passo, não sou capaz!...
– Vais passar pela vergonha de explicar aos teus votantes que tens mau perder.
– Cá me hei de amanhar, arranja-se uma escapatória, olha sou bem capaz de me demitir.
– O que aí vai!
– Tu e os teus aliados têm tudo para contentar a malta dos mercados com um pé às costas, é só deixar andar, verás que não custa nada!...
– Modéstia à parte, acho-me capaz de ombrear contigo!
– Ora, assim é que é falar!
– Custa-me ver-te assim tão amarfanhado!
– Os santos não têm costas!
– Obrigado pela confiança, eu vou conseguir por ti!
(Este diálogo ocorreu naturalmente ou no dia de S. Nunca-À-Tarde, ou no dia em que caiu o Carmo e a Trindade, pouco tempo depois de eleições legislativas, do ano da graça de 2015.)