Doxomania
Quem vai ao café fá-lo pela bica, pelo pastel de nata ou por um acepipe no género. E também porque gosta de cheiricar e comentar, não há café sem cavaqueira, que se quer amena. As conversas dos cafés são tomadas por ligeiras e brejeiras, mas de facto são corriqueiras, para elas aflui a realidade.
Vejam lá que se debatia as últimas condições meteorológicas, sim o tempo, opinava-se sobre as causas do súbito destrambelho das nuvens, com o aquecimento global a vir ao barulho e a poluição a talhe de foice. Tretas, diziam uns, conversa de chacha, opinavam outros, se ainda fosse um arrefecimento global...
Faz-se então ouvir a custo uma vozinha de capuchinho encarnado que se atreve a defender o princípio do utilizador-pagador. Falou como quem não quer a coisa, a donzela recatada, tomada de imprevista impância. Desabafou e depois corou.
A tirada donzelesca foi tida por atávica pelo cavalheiro de fino recorte que postava no centro do estabelecimento comercial, tido por ser portador de sangue pouco dado a fervências. Daquela feita, estalou-se-lhe o verniz e foi taxativo: isso que a menina propõe não tem pés nem cabeça, no quadro atual de referência; provavelmente andará a sonhar com ladrões, porque quer que a assaltem, ou então ouve vozes, a minha não!
Entredentes terá terminado o raspanete com um concelho paternalista «passa-fora, ó croia!» Ora passem muito bem… E foi à vida!
A moça atravessou o passeio e foi tomar a primeira bica no novel café da vizinhança, uma marca dos novos ares do empreendedorismo que enformavam as paisagens. Foi vista a falar com os seus botões.
(Não estará abolida a expressão «ouvir vozes» dos cardápios das boas maneiras, destinada a quem quer que seja, na rua ou na magna assembleia da santa terrinha? Alternativamente estará já espalhada a ideia que ouvir vozes nem sempre é sinal de psicose…)