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oitentaeoitosim

09
Abr15

Ladinices 9

Jorge

- Zé, vai à janela e diz-me que vês.

- Pouca gente nas ruas, chefe…

- É um bom sinal dos tempos, Zé! O pessoal está ocupado, boa!

- Lá fora está um griso do camandro, chefe, com sua licença. E o frio toca consoante a roupa, mas mais a quem tem pouca…

- Cuida dessa linguagem, Zé, quem não te conhece como eu de ginjeira, dás ar de quem aderiu às forças de bloqueio.

- Longe de mim tal tentação, chefe, quero continuar a contribuir para que a sua mensagem chegue cristalina a todos os nossos concidadãos coevos. Toda a gente já sabe que a confraria e os padres são pobres, que é a dar ao serrote que o país endireita…

- Tal e qual, digo-te à puridade, Zé, uma vida de sacrifícios é o cume supremo da arte!

- Mas, quem pena espera pela merecida compensação, a lei da oferta e da procura obriga, chefe…

- Chegas a confundir-me, Zé, mais uma vez a dar uma no cravo e outra na ferradura! A verdade é só uma: este país tinha dado à casca; eu tomei disposições e deus dispôs a contento. Nenhum parto se faz sem dor.

- Olhe que não, olhe que não, chefe! Mas, claro que todas as ajudas são bem-vindas, em busca do fim perseguido…

- É que não duvides, Zé! Vou fazer-te uma confidência, não fosse eu um devoto aturado de Sta. Edwiges e Sto. Expedito e não sei se teria alento para tanto…

- Até o frio tem dado a sua colaboração, chefe, é que apetece afanar, para a gelividade evitar! E depois, quem vai às compras com este briol? que seja bem-vindo!

- E tu a dares-lhe, Zé! Já ouviste esta verdade vezes sem conta da minha boca: o país precisa de temperaturas altas para a época, só assim podermos transacionar sol, areia, mar à fartazana e empresas ao desbarato, o resto é cantigas!

- Aí está, quando os seus contraditores insinuam que o chefe sofre de anosmia e analgesia social, são de uma crueldade obscena…

- É preciso sermos compreensivos, com esses pobres de espírito. Essa cambada deveria beijar o terreno que piso. Vejamos, Zé, qual o órgão mais sensível do corpo humano? O bolso naturalmente!... Eu fui direto ao bolso da patuleia, sem falsos pruridos, cortei a bom cortar, assim se eliminam tumores sobretudo os malignos. Viver acima das capacidades intrínsecas fere a idiossincrasia do nosso povo que se compraz em ser pobretanas, ser rico é só para quem sabe ganhar vantagens, felizmente poucos, ou tínhamos o caldo entornado...

- Na mouche! Já para não falar na dinâmica conferida pelas políticas do chefe a novas atividades, como aquela modalidade social nova, um misto de turismo e footing, em que o pessoal é posto a cirandar sem destino nos centros comerciais, ou essoutra dita chapa-ganha-chapa-gasta…

- Zé, quem sabe, sabe, conhece bem, com é gostoso gostar de alguém (cantam ambos)! Como bem sabes sou um sentimentalão…

- Todos os dias brindo ao êxito das suas reformas que mudaram a face da terra, chefe. Há dias até abusei e apanhei cá um pifo que nem lhe digo, nem lhe conto!

- Não caçoes com coisas sérias, Zé! Agora, mexe-te a compor a cábula que costumas produzir sempre que vou a debates quinzenais e vê se lá pões tudo, não gosto de ser mofado pela malta do contra sempre que não estou a par de um pormenor, por mais ínfimo que seja. A propósito, desvenda-me essa intriga toda da lista vipe e o sketch dos cofres cheios.

- Vou esmerar-me, mas negue sempre, como o fez no caso do jeco à Caixa, do qual se saiu tão airosamente. E ria muito na cara dos infiéis, é remédio santo!

- Assim será, dou-te a minha palavra de honra pós-eleitoral, Zé.

- Ora aí está, os patrícios passavam a vida a coçar teimosamente as partes pudendas, na boa-vai-ela, armados em marqueses, como se o mundo estivesse a seus pés. O chefe teve que lhes cortar as vazas, claro, foi preciso rasgar compromissos dantes assumidos, para bem de todos. Aí o povo viu de que massa é feito o novo marquês de Pombal (ao outro que deus o tenha!).

- Palavras sábias, sabes apurar o meu ego, Zé, bendita a hora em que te escolhi para assessor! Está decidido, hoje tens direito a rancho melhorado: em vez das sandes baratuchas, vais ali ao tasco da esquina onde o prato do dia é cozido à portuguesa, de comer e desejar por mais. De caminho, chama o Serapião.

- Ele também vai alinhar no cozido, chefe?

- Não está autorizado, quero ter com ele uma sabatina sobre o jantar a que vou logo em homenagem à embaixadora da Cochinchina.

- O chefe tem tido uns dias muitos cansativos ainda ontem homenageou o ministro plenipotenciário do Cosovo…

- Zé, a vida é 2 dias!... Desconfio que lagosta au champagne, caviar de esturjão pálido, carpaccio de bacalhau, lombinhos de cherne au azeite de oliva, trufas pretas, cordeiro assado com cogumelos e supremos de galinha, por exemplo, não vá sobrar para além dos anos de poleiro.

- Pessoalmente, chefe, não nada substitui uma boa chanfana, umas boas tripas à moda do Porto, um bom arroz de cabidela, umas gambas à Guilho, uma feijoada que não se recomenda à sua função.

- Umas calças rotas e sujas não têm cabimento num carro de luxo… Vai lá enfartar-te, logo voltas amanhã ao teu posto aqui a meu lado, uma vez cumprida a digestão, passar bem!

(O chefe sai solto, com bonomia e logo se põe a trautear a berceuse a que a ama o habituara, ia com uns anitos. A caminho da sua secretária de estimação, vem-lhe à memória o comunicado da rapaziada dum governo regional, aquando do falecimento do bardo maior dos últimos tempos e retorce-se todo, numa tentativa de suster o xixi no seu devido lugar, tal a necessidade de arreganhar a pregagem. Com todo o gosto, atira-se a umas papas de sarrabulho, ali deixadas como-quem-não-quer-a-coisa pela atenta assistente Lausinira que tão bem lhe conhecia o hábito de descarregar frustrações com pratos (à conta disso estava a ficar calvo!).

 

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