Ladinices 5
- Zé, vai à janela e diz-me que vês.
- Muita gente agarrada a malas de cartão, chefe.
- As minhas são de cabedal, acabadinhas de comprar na avenida da Liberdade, são muito mais práticas, recomendo esta marca a toda a gente, Zé.
- Muitas delas encaminham-se para autocarros, camionetas, furgonetas e carros das mais variadas cilindradas, chefe.
- Distingues algum Porsche no meio da confusão, Zé?
- Por acaso não, só chaços, espere lá, vejo um ou outro de marca topo de gama, mas já nas lonas, chefe.
-Que sirva de lição aos profissionais do escárnio e maldizer que acham que eu deveria dispensar os carrinhos oficiais. Se até o cidadão vulgar tem carro à maneira, queriam que andasse de metro, não?
- A maioria das pessoas segue para a raia, chefe.
- Agora confundiste-me, eles vão almoçar, Zé?
- Não, com sua licença, seguem para a fronteira seca e depois continuam por franças e araganças, chefe.
- Estás a enganar-me e eu a ver-te, então há assim tantos dos meus patrícios nesta altura do ano a fazer férias, Zé?
- Acho que não, vão tentar arranjar trabalho lá fora, decerto que não ignora que batemos os recordes de emigração no ano transato, chefe?
- Os indicadores de recuperação económica em curso são música para os meus ouvidos, a taxa de desemprego baixou, essa coisa da emigração esquece, caso não queiras passar a ser o mais mal pago dos meus assessores, Zé!
- Vão trabalhar para o estrangeiro, à míngua de ocupação por estas bandas, chefe.
- Ouve lá, tento na língua! «À mingua», dizes tu, a tanto de atreves?! Por que ainda estou a saborear o abaixamento do desemprego e a criação de novos e efémeros postos de trabalho, perdoo-te a aleivosia. Às vezes tornas pálido o que brilha e vice-versa, Zé.
- Desculpar-me-á, chefe, retiro o que disse, havia rarefação de postos de trabalho para colaboradores neste país, mas o caso mudou de figura, assim está bem, chefe?
- Aprendes depressa, meu rapaz! Que a rarefação é obra de belzebu, da constituição, está fora de questão, Zé. E dos acólitos e ministrantes de missas negras…
- A emigração é fruto da árvore das imposições dos nossos credores estrangeiros de quem a gente muito gosta e com quem muito gasta. Também é verdade que os nossos conterrâneos gostam de mudar de ares. Felizmente que nos sentimos nas nossas 7 quintas, neste lugar, chefe.
- Estás em forma, meu colaborador preferido. Hoje à tarde tiras folga, almoças com a tua cara-metade no take away da esquina e depois vão ao cinema e até podem entregar-se a devaneios. Nós temos os nossos, como essa ideia de dizer que os sacrifícios foram pedidos e não impostos, enfim….Toma lá 5 euros e não digas que vais daqui, Zé!
- Obrigado, beijo-lhes as mãos, chefe.
(Zé já ia longe, quando ouviu o desabafo do chefe: «Como diria o meu mestre, se estes meus patrícios soubessem o que custa mandar só quereriam ser mandados»)…