LC, de Leonard Cohen
Morreu a pessoa que poderia ter-se apresentado assim: «Como um pássaro postado num fio metálico/Como um bêbado num coro à meia-noite/ Tentei, à minha maneira, ser livre.»
Eis LC.
No dia em que foi comunicado o seu passamento, tive que me ausentar de casa, pela manhã.
O meu filho, moço dos seus 22 anos, ainda dormia pesadamente.
Deixei-lhe esta mensagem num stick: «Morreu Leonard Cohen. Tá mal, uma pessoa assim não devia morrer. Se me escreveres um texto, ou um poema, sei que ficarei mais consolado».
Vai daí, ele escreve isto, num ápice:
Lá do Céu-en
Do dolorosamente soprano ao carregado baixo,
Ficava acima do segundo uma categoria.
A notícia da sua última nota de difícil encaixo,
Mas um barítono que fica na memória.
Mais uma flor da geração de sessenta que cai,
A voz melancólica no meio dos agudos e harmonias.
Desaparece o cantor, porventura, que mais aprecia o meu pai
Deixando uma singular musicalidade e as suas poesias.
Chegará a sua voz profunda ao nosso íntimo facilmente?
Reflecte algo que nos é estranhamente familiar?
Afectará o nosso coração e a nossa mente?
Seria o génio merecidamente reconhecido antes de finalmente viajar?
Parte para o outro lado, do que sei, um homem sensível,
Que cantava de justiça social, mas também de amor.
Não era com certeza uma voz pop aprazível,
Era um poeta de topo e um distinto cantor.
Sinto-me mal em escrever isto,
Dada a pouca familiaridade que tenho com a sua obra.
Porque tem de acontecer disto,
Para que a carreira dos músicos falecidos eu descubra?
E de quem é a culpa? Minha, por não saber apreciar?
Da sociedade e dos médias, por pouco divulgar?
Chora-se a qualidade de outros tempos, porém contemporânea,
Porque a actual é demasiado momentânea?
Hallelujah, que agora canta para anjos, ficará para sempre.
Sobreviverá, juntamente com a sua obra, o teste do tempo.
Dançou a última valsa, ninguém queria que ficasse mais escuro.
Ele estava pronto, senhor. Haverá algo mais libertador e corajoso de
se afirmar?
Esta é uma mensagem dum jovem que busca o seu caminho, o que eu aprecio muito. Perdoo-lhe alguma perturbação, mas aquela tirada «não era com certeza uma voz aprazível» deu-me que pensar.
Porque me confesso apreciador da voz penalizada de LC.
Perdoo-te a partida, acanhado e imbele génio da análise social, que sabias armadilhar versos e os emburilhavas em música classicamente devota, de encantar.
Fazias rock alternativo? Folk? O que sei é que fazias cá falta.
Em mim perdurará a tua voz e os arranjos que a ela davas, bem como às tuas melodias.
Não te chateias se te disser que muitas das tuas mensagens continuam enigmáticas para mim?).
Acho que estavas do lado dos que sofrem de males deste mundo, o que valorizo sobretudo, quando há tanto bardo para aí interessado em prolongá-los.
Sei que, ao ouvir-te, de algum modo me estarás a apontar o caminho da esperança que resta e resiste sempre.
Pronto, já estou mais reconfortado!
(Duma vez, LC fez este voto: Não sejam mágicos, sejam encantadores. Que tal?)
- Não é uma grande toca, querida. Eles chamam-lhe mina, mas sinceramente não percebo para que serve, já que não vivem ali...