Mija-mansinho
Jeremias sonhou defender os trabalhadores, estimulava-o a vindícia. Começa por aceitar como verdade inelutável que sem empregadores, não há empregados. Fez campanha pela criação maciça de postos de trabalho, deu conferências a estimular o empreendedorismo de antes-assim-que-nada, e até defendeu, com unhas e dentes, a inscrição na lei máxima da nação que todos os cidadãos têm direito inalienável a serem ricos proprietários, desde que fossem bonzinhos para quem colabora com eles.
Num dia em que descobriu que tinha o pé chato, foi a tempo de emendar a mão, numa tarde-noite em que era convidado especial do grémio dos grémios, deixou cair essa «condição da bondade». Na ocasião, perorou de gosto e, quando acabou, teve uma revelação, quando dirigia os seus passos para o metro de superfície. Uma santa alma que habita o outro mundo instava-o a que ele próprio integrasse os quadros do proprietariado local, assim se safava e salvava.
Jeremias, não se fez rogado, deu uma guinada à vida, à pala de apoios conseguidos instalou-se como fornecedor prioritário de material às escolas básicas, secundárias e superiores da nação. Com meia-dúzia de funcionários de parcos salários e horários alargados, impôs-se no ramo e prosperou. Via-se no bom caminho.
Num destes dias, o médico pessoal e exclusivo, diagnosticou-lhe alergia ao suor, pelo que se submeteu a um tratamento eficaz em localizações ecologicamente úberes. Desde então ficou cliente das fofuras do ar condicionado e das spas.
Tem sido acometido por enxaquecas frequentes, e sobrevêm-lhe enxaquecas, pois embebe-se em água-de-colónia, sempre que tem de enfrentar as emanações sudoríferas do proletariado. Também é acometido de brotoeja, sempre que tem de negociar com «sacripantas sindicateiros» (sic).
Tanto desconforto físico e moral foi amenizado pela sua profunda entrega à causa da recuperação da economia: os seus lucros têm aumentado em progressão geométrica.
Por estas e por outras tem sido vivamente aconselhado a marimbar-se nos pés descalços.
Hoje-por-hoje, Jeremias é mais estimulado pela vindicação.