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oitentaeoitosim

10
Mar14

Oráculo

Jorge

   À hora da sesta de uma sexta modorrenta, o sátiro Fauno povoou os sonhos da mãe da nascitura Maragarete: vinha augurar-lhe que a filhota seria nascente de muitas alegrias, ao largo das noites e dos dias dias, capaz de desterrar embaraços estruturais ou conjunturais com momices, chocarrices, paródias, risos, sorrisos e correlativos. Os fados queriam-na como porta-estandarte da alegria e da felicidade, ad eternum, enquanto não chegava o elixir da eterna juventude, uma primícia das deidades, que tinha já  metido mãos à obra e pés ao caminho. Pôs-se ao fresco e a muitas milhas, quando topou que a receptora – que não era flor que se cheirasse - se contorcia, disposta a encurtar a soneca. Foi em busca dum cigarro salvador e nunca mais ninguém lhe pôs as lentes em cima.

   Quando nasceu deram-lhe a tradicional palmada de boas vindas no rabiosque. Margarete riu a plenos pulmões. Persignaram-se em surdina os assistentes sorumbáticos, de credo na boca e mão no rosário. À beirinha da cama estava o genitor suspeitador que assistiu à saída de Margarete do ventre materno, depois de muito persistir na intenção contrária, até ao limite da sua argumentação escolástica. Achava um despropósito ter de comungar a nudez das partes pudibundas da consorte com outros; nunca alinhara em ménages a 3, a 4 ou mais, como vinha descrito nos cânones, que o seu limite era as práticas politicamente correctas. Alinhou na praxe, assim que lhe comprovaram por a+b que, caso se esquivasse ao ritual a puérpera, arcaria para todo o sempre com comportamentos, atitudes e competências desviantes. Aquela quebra protocolar da filha não augurava nada de bom. Pôs-se ao fresco e a milhas, quando lhe pediram que lhe desse colo. Foi em busca dum cigarro salvador e nunca mais ninguém lhe pôs as lentes em cima.

    Quando a levaram à escola pela primeira vez, brotaram por todo o lado os chorrilhos de risos, sorrisos e ademanes impregnados de boas vindas. Margarete riu a bandeiras despregadas, assim que pisou o ginásio do colégio cheio que nem um ovo de gritos lancinantes, uivos a condizer e olhares esbugalhados. Os colegas de admissão, os pais desconsolados e os instrutores ressabiados olhavam-na de viés e través. Mais tarde, um dos presentes,quando inquirido, por uma têvê regional, na rua da amásia, (em má hora já se vê!) sobre formas de vida para além da magnetosfera, respondeu que sim, que tinha estado na presença de um alienígena, na citada ocorrência. Contava já com 45 primaveras e 10 filhos e guardou na memória o episódio, não fosse a Alzheimer tramá-lo. Nenhum terráqueo se atreveria a tanto, pelo que só outro habitante de outra parte da Via Láctea se abalançaria a tal desplante. Sugeriu que procurassem a criatura e a exibissem numa galeria, de preferência, na baixa da cidade, uma forma de contribuir para a dinamização daquele espaço. Pôs-se ao fresco e a milhas, quando se apercebeu que era procurado pela legítima. Foi em busca dum cigarro salvador e nunca mais ninguém lhe pôs as lentes em cima.

     Quando a levaram ao primeiro dia de trabalho, Margarete chorou baba e ranho, não se lhe descortinou riso sardónico, sorriso amarelo ou ameaço de gargalhada. Sim, levaram-na em braços e de bruços ao seu posto na engrenagem, demonstraram que as máquinas não mordiam, muito menos o patrão e as chefias. De olhos esbugalhados, percebeu que lhe diziam que a higiene e a segurança eram máximas, a organização prodigiosa e até havia bocas-de-incêndio e caixinhas de primeiros socorros nos sítios certos. O chefe mais próximo prometeu logo à primeira melhoria substancial do soldo; o segundo chefe mais próximo reprometeu-lhe que não haveria assédio da parte dele; o terceiro triprometeu-lhe horário flexível. Em alta grita, reuniram-se à porta do promitente local de trabalho altos representantes da sociedade, do mundo do emprego e do trabalho. Davam testemunho que o trabalho dignifica, que se nasce para ter família, para sustentar a família e que fica mal não sustentar a família e proporcionar-lhe todos os miminhos indispensáveis. E exibiam tarjas, cartazes e palavras de ordem a condizer com o parlapié dos ofícios, dos ritos e dos rictos. Estudou o mapa que guardava numa mochila para emergências e fixou o rasto para as vilas de Diogo. Calçou os chanatos que trazia no mesmo xairel de emergências e deu-lhes corda. Pôs-se ao fresco e a milhas, quando se apercebeu que aquilo era o seu destino futuro e que este marca a hora. Foi em busca dum cigarro salvador e nunca mais ninguém lhe pôs as lentes em cima.

    Consta que o eco imita a gargalhada de desprezo de Margarete.

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