Ouvi ou li (VII)
1 – Há cada vez mais ciclovias (e também passadiços) metidas no meio da confusão do trânsito urbano e suburbano. Esse tipo de vias tem reunido consenso junto das populações, porque abrevia deslocações e despesas de e para o local de trabalho, de e para local de habitação, além de facilitar acesso a centros de interesse. Por isso os turistas também gostam de levar as biclas para as ciclovias (e de andar acima e abaixo nos passadiços), a bisbilhotar, em busca de casticismos, a isso vieram lá das berças terras deles. Ainda bem que gostam, pois sempre juntam o agradável para eles e elas e o útil para o país, é bem-vindo quem vier por bem e disposto a largar divisas que ajudam a curar aleijões congénitos do deve-haver da santa terrinha que esteve sempre mais inclinada para o «deve» do que para o «haver».
Pena é que, indiferentes, os popós continuem a borrifar-se e a aspergir esses bons propósitos, com fumaças a que a OMS já atribuiu potencial cancerígeno. Ensacar fumaça não dá!...
2 – Houve uma debacle na casa comum do clã. O Sr. A disse que não era responsável, embora fosse o CEO e lesto apontou um dedo ao Sr. B. O senhor B mandou-o aquela parte, com expressões de fino recorte literário, lavou daí as mãos e indigitou o Sr. C causador do de todos os males. O Sr. C sacudiu a água do capote a garantir que sempre agira de acordo com os normativos da casa e ato contínuo mandou bugiar o Sr. B e denunciou o Sr. A como implicado mor.
Vai-se a ver eram os três bons cristãos, acreditavam piamente que a serpente tinha sido culpada por Eva ter comido o fruto proibido da árvore do paraíso original…
3 - Destacavam os jornais e afins que a vitória do emblema A sobre o B, num jogo da liga se ficara a dever-se à ação profícua de um atleta, o Tolentino, o qual marcara 3 golos madrugadores, na baliza adversária, contra 2 na do seu clube. O atleta passou a semana nas nuvens, recebeu muitos cumprimentos e muitos gabaços e graxa a condizer, fosse na rua, em casa, no restaurante e até na igreja. O mister não soube, o grupo não soube, mas até se juntou a uns brindes bem regados. Não cabia em si de contente.
Georgino, sócio do arquirrival listou-lhe factos havidos, que se meteram pelas câmaras adentro: um dos golos foi obtido com a mão, outro em fora-de-jogo, outro de penálti inexistente; os do adversário tinham sido limpinhos. Timóteo tocou a pavana a Georgino, não admitia abusos...
4 – Aqueles 2 CEOs de renomadas empresas são criaturas apessoadas e de bem. Antigos administradores da res publica, proporcionaram incontáveis sabatinas sobre moralidade pública, que é preciso obedecer, cumprir os deveres, que ninguém se pode coibir de zelar para o bem coletivo, armados em frei Tomás de trazer por casa. A maioria, pessoas incautas, deixava-se convencer - a capacidade de encaixe depende da dose do bem-estar estimado -, caso contrário todos sabiam que seria estabelecidos serviços mínimos e requisição civil, dos manda-chuvas da terra, o que praticamente reduziria ao mínimo qualquer solavanco. Agora soube-se que os dois homenzinhos contestaram o pagamento da contribuição extraordinária de energia que recaiu sobre ambas as empresas (quererão exportar mais?), numa época em que a maioria dos cidadãos está a levar tautau pela medida grande. Desconfia-se que os preços baixos do crude sejam tidos e achados na decisão, outros dizem que se trata de manobra delatória e outros ainda que a manobra cheira a esturro deletério.
Está previsto que os dois brilhantes administradores indígenas venham a ser propostos a renomado galardão do empreendedorismo da casa global. Por alguma razão, na China asseveram que ninguém deve ficar surpreso por soprarem ventos danados de caverna vazia…
5 – No metro, um senhor toca e canta bastante afinado velhas baladas ouvidas por aí e por elas ainda não lhe vieram cobrar direitos de autoria. Canta, acompanhando-se ao acordeão, enquanto um canito pousa no seu pescoço. A mensagem é lhana: uma esmola dava jeito, vá lá ponham aqui a demasia do jornal que estão para aí a ler… Conhece o mapa do metro de trás para diante e de diante para trás, anda em bolandas de Amadora para Santa Apolónia, do Cais do Sodré para Telheiras, ou para o Rato e Odivelas. Ouve muitos remoques, mas a vida continua, o importante é que dê para a bucha...
Ermelindo junta a sua moeda às de outras pessoas e assim aproveita a deixa para escapar aos olhares cruzados de outros passageiros, que o seu apeadeiro ainda está longe, safa!...