Pedra fora da mão…
A liberdade é defendida com discursos e atacada com metralhadoras.
Carlos Drummond de Andrade
Do Serafim, toda a gente dizia ser bom homem.
Do Serafim toda a gente dizia ser bom cidadão.
Do Serafim toda a gente dizia ser bom profissional.
Como médico, era muito amistoso, no relacionamento pessoal.
Como médico, era muito contido nas análises e exames que mandava fazer.
Como médico, era muito competente, nos diagnósticos e operações que recomendava.
Um dia, Serafim aparece nas primeiras páginas dos jornais.
Um dia, Serafim aparece logo a abrir os noticiários das tevês.
Um dia, Serafim aparece referenciado, em muitas redes sociais.
De véspera, tinham morrido 2 pessoas, num feroz acidente rodoviário.
De véspera, tinham morrido 2 pessoas, num feroz acidente rodoviário; ambas tinham sido levadas ao hospital mais próximo.
De véspera, tinham morrido 2 pessoas, num feroz acidente rodoviário; ambas tinham sido levadas ao hospital mais próximo, onde trabalhava Serafim.
Meio mundo asseverava que Serafim estava de escala às urgências.
Meio mundo asseverava que ele, Serafim, estando de serviço às urgências, fora incumbido de assistir aos 2 sinistrados.
Meio mundo asseverava que ele, Serafim não se apressara a dar assistência aos sinistrados, que estava ferrado no sono, após muitas horas de laboração e que não o conseguiram arrancar à soneca, naquela situação de emergência.
Mais tarde, Serafim, abalado, disse de sua justiça e nega a insídia.
Mais tarde, Serafim, abalado, depois de negar a perfídia, apresenta as condolências aos familiares dos sinistrados.
Mais tarde, Serafim, abalado e uma vez apresentadas as condolências à família dos mortos e denegada a velhacada e retira-se para parte incerta.
Só então, aquele comandante de bombeiros surge a testemunhar que os sinistrados, uma senhora e uma filha adolescente, haviam encontrado morte imediata, numa curva fatídica duma estrada, há muito referenciada.
Passadas muitas luas, ainda abalado, Serafim está de regresso, que há muitas vidas por que lutar.